| Saul M. Sastre
Professor, escritor e palestrante
Era uma manhã de sol, início dos anos 80 e o Brasil ainda enfrentando resquícios da ditadura militar. Tempos duros. O máximo de protesto permitido era tocar violão e cantar “Prá não dizer que não falei das flores” de Geraldo Vandré, considerada um hino de toda uma geração. “Caminhando e cantando e seguindo a canção. Somos todos iguais. Braços dados ou não…”, assim segue a música, um drible à censura, convidando a todos a tomar as rédeas do país. Fala dos excluídos, da má distribuição da renda, da reforma agrária, dos soldados que cumprem ordens sem senso crítico e termina com o patriotismo em prol de uma sociedade melhor.
Naquele dia, a missão era celebrar, juntamente com outras escolas estaduais, a semana da Pátria no Grêmio Náutico União, bairro Moinhos de Vento em Porto Alegre. Saímos do colégio e fomos caminhando pelas ruas, todos empunhando uma bandeirinha verde e amarela. O grupo seguia “Caminhando e cantando…” Gritávamos nosso hino incentivado pelo professor Clóvis de Educação Moral e Cívica. Lembrava Raul Seixas, assim estilo “Maluco Beleza”.
Chegamos e nos unimos a dezenas de pessoas, o governador e junto com ele uma “milicada” que olhava desconfiado para o prof. Clóvis, que disfarçava evitando olhar nos olhos deles. Tínhamos que desempenhar uma coreografia, balançando as bandeiras em cada parte do Hino Nacional. O Governador se encheu de orgulho e aplaudiu de pé aquilo que, exaustivamente havíamos ensaiado no pátio, todas as manhãs de agosto antes de iniciar a aula.
Só o Silva não conseguia balançar a bandeirinha coordenado conosco. Se sacudíamos para um lado, ele ia para o oposto. Acabou prejudicando todo mundo. O prof. Maluco Beleza fez que não viu, os milicos notaram, mas seguiram os aplausos do governador. E por mais que explicado para o Silva a importância de se manter sincronizado com o movimento nos ensaios, não quis se alinhar. Falava que não ia ganhar nada com isso, que não interessava para ele e que não ia se esforçar em prol dos outros.
Esta lembrança e muitas outras ficaram da minha pré-adolescência. Ditadura? Negativo! Sentimento pátrio? Positivo! Nos ensinava a amar o país. A lógica é: Quem ama cuida, preserva e constrói com todos uma sociedade melhor. Infelizmente o tempo passou e esse valor ficou só na música do Vandré. Hoje, é cada um e seus interesses particulares. Não existe nada coletivo, a exemplo do que fazia o Silva, que por sinal, na última eleição se elegeu Deputado Federal.