| Rosane Castro
Escritora e Narradora de Histórias
É através do olhar crítico da ceifadora de almas que damos início a nossa aventura literária e cinematográfica. É pelo som da sua voz que a história inicia e, depois, permanece ecoando em cada leitor. Umas das mais instigantes obras da literatura, escrita pelo australiano Markus Zusak, que logo se tornou um Best-Seller pela originalidade e sensibilidade ao descrever a Alemanha nazista pela visão da personagem Morte e, também, pelos desdobramentos da vida de uma menina que roubava livros. Diante disso, irei abordar a obra, sua adaptação para o cinema e a sua relevância ficcional e histórica ao retratar as dificuldades e a luta pela sobrevivência em um dos períodos mais comoventes da história da humanidade, a Segunda Guerra Mundial.
Um livro. Dois livros. Muitos livros. A menina que roubava livros queria, sobretudo, aprender a ler. Compreendia a força do pensamento, da imaginação e dos sonhos. Era uma jovem transgressora e inconformada. O impulso de roubar livros veio no intuito de salvá-los do destino de não serem lidos. O primeiro resgate foi o livro Manual do Coveiro. Uma leitura sobre a vida e a morte, que a acompanhou durante toda sua trajetória. O segundo livro também foi salvo. Estava na fogueira. Seria incinerado pelos nazistas!
A crítica política é certeira. Vai ao ponto. Mostra com clareza o sofrimento, as privações, o medo, o desamparo. Tanto o filme, quanto o livro, conduzem-nos a esse emaranhado de sensações e reflexões dolorosas. Poderíamos ver apenas pela lente do desespero, olharmos apenas para as faíscas noturnas que riscavam o céu e trovejavam os ouvidos e as esperanças. Porém, a Morte nos descreve cores e poesia nas despedidas.
A menina que roubava livros aprendeu a ler a vida, as pessoas, os sentimentos. Descobriu os afetos nas atitudes, mesmo quando vinham da mama rabugenta, do melhor amigo audacioso que queria roubar-lhe um beijo. Também tinha Max, um judeu que se refugiou no porão da família Hubermann e que lhe presenteou com um livro em forma de diário. E foi o som gentil do acordeom de seu pai adotivo que ficou para sempre na sua memória e ficará, com certeza, na memória de todos que lerem o livro ou assistirem ao filme.
O desejo da menina em aprender a ler é uma tentativa de compreender o mundo a sua volta e a cultura calcada no abandono, no sofrimento, nas incertezas e injustiças. Liesel quer aprender a ler para encontrar respostas para suas desventuras e superar seus dramas. Um ser humano nascido e crescido numa cultura atingida pelas ideologias nazistas, onde, palavras e livros são, ao mesmo tempo, a manifestação cultural de um povo, portanto, a sua identidade, e seu algoz (falar e ler era privilégio de alguns). A literatura como possibilidade estética e reveladora, que desperta os nossos sentidos e nos faz refletir, através da linguagem e dos fatos históricos, o caminho para a construção de quem Somos.
Falar de Liesel, justamente no mês em que se comemora a infância, é uma tentativa de ampliar nosso olhar para o compromisso familiar, para a diversidade cultural, para a política social e suas influências na vida das crianças. Não podemos esquecer que crianças precisam de estímulos e exemplos positivos para se desenvolverem de forma saudável. Essa responsabilidade é de todos nós.
“É preciso uma aldeia para educar
uma criança.”
Provérbio africano