Texto | Denise de Oliveira Milbradt | Fotos | Divulgação
Alexandre da Silva aos 16 anos quase não tem amigos, vive trancado no quarto a maior parte do dia e evita sair na rua. A maioria dos seus relacionamentos está no mundo virtual, onde permanece conectado mais de 15 horas por dia. Dorme pouco e tem mostrado irritabilidade acima do normal, anda deprimido e já tentou cometer suicídio.
Ele não é exceção, pois cada vez mais crianças e adolescentes trocam a interação saudável com outras pessoas por equipamentos com acesso a internet. Esse comportamento chamou a atenção da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que resolveu publicar documento inédito no Brasil com o intuito de orientar pais, educadores, médicos, além das crianças e adolescentes.
No texto são abordados os principais problemas ligados ao uso excessivo da tecnologia por menores e as consequências deste hábito. Na lista está o aumento da ansiedade, a dificuldade de estabelecer relações em sociedade, o estímulo à sexualização precoce, cyberbullying, o comportamento violento ou agressivo, os transtornos de sono e de alimentação, o baixo rendimento escolar, as lesões por esforço repetitivo e a exposição precoce a drogas, entre outros. Todos com efeitos danosos para a saúde individual e coletiva, com graves reflexos para o ambiente familiar e escolar.
De acordo com a SBP, estudos científicos comprovam que a tecnologia influencia comportamentos através do mundo digital, pela adoção de hábitos, muitos deles inadequados desde os primeiros anos da infância. Há algum tempo, este tema tem ocupado espaço nas discussões na entidade, preocupada com a melhor orientação ao pediatra no atendimento de seus pacientes e familiares.
Tempo de tela
As primeiras orientações do Manual chamam a atenção para o tempo de uso da tecnologia digital, também denominado tempo de tela (do inglês screen time). Neste contexto, a SBP pede que esse período seja limitado e proporcional às idades e às etapas do desenvolvimento cerebral-mental-cognitivo-psicossocial das crianças e adolescentes.
Além disso, os pediatras desencorajam e pedem para que seja evitado ou até proibida a exposição passiva às telas digitais, com acesso a conteúdos inapropriados de filmes e vídeos, para crianças com menos de dois anos, principalmente, durante na hora das refeições ou nas horas que antecedem o sono. Crianças entre dois e cinco anos também devem ter o tempo de exposição limitado: no máximo uma hora por dia.
Até os seis anos de idade, a orientação é para que as crianças sejam protegidas da violência virtual, “pois não conseguem separar a fantasia da realidade”. De acordo com o guia, jogos online com cenas de tiroteios, mortes ou desastres e que ganham pontos de recompensa não são apropriados em qualquer idade, “pois banalizam a violência como sendo aceita para a resolução de conflitos, sem expor a dor ou sofrimento causado às vítimas”. Fazer uso de televisão ou computador nos seus próprios quartos também não é recomendado para crianças menores de 10 anos.
Intolerância e ódio na Internet
O documento da SBP se baseou em quase 30 pesquisas científicas nacionais e internacionais. Entre elas está o levantamento Tic Kids Online – Brasil de 2015, realizado pelo Comitê Gestor da Internet (CGI) e pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade de Informação (Cetic.br). Esse trabalho mapeou o perfil e os hábitos das crianças e adolescentes com acesso à internet no Brasil, inclusive com questões sobre intolerância e discurso de ódio.
Foram ouvidas crianças e adolescentes com idades de 9 a 17. Os dados mostram que oito em cada dez crianças e adolescentes nesta faixa etária usam a internet com frequência. Para este grupo, o telefone celular se tornou o principal dispositivo de acesso (83%), seguido dos computadores de mesa, tablets ou computadores portáteis ou consoles para videogames.
De acordo com o estudo, uma em cada três crianças e adolescentes usuárias de internet (37%) declarou ter visto alguém ser discriminado na Internet no último ano – o equivalente a 8,8 milhões de jovens. Entre os motivos identificados para a discriminação, 23% das crianças usuárias citaram preconceito de cor ou raça; 13% mencionaram aparência física; e 10%, relacionamento entre pessoas do mesmo sexo.
Além disso, 20% das crianças e adolescentes declararam terem sido tratadas de forma ofensiva na internet, caracterizando uma das formas de cyberbullying. Nesta amostra, 21% dos adolescentes deixaram de comer ou dormir por causa da internet, 17% procuraram informações sobre formas de emagrecer, 10% buscaram formas para machucar a si mesmo, 8% relataram contato com formas de experimentar ou usar drogas e 7% declararam ter tido acesso a maneiras de cometer suicídio.
Orientações
•Nas telas do mundo digital tudo é produzido como fantasia e imaginação para distrair ou afastar do mundo real – portanto, não se deixe enganar no mundo virtual;
•A senha é só sua, não compartilhe sua senha com ninguém, ninguém mesmo! Única exceção apenas para seus pais que são responsáveis por você até completar os 18 anos, legalmente.
•Preste atenção para não adicionar qualquer pessoa desconhecida e jamais marque encontros com pessoas estranhas ou conhecidas apenas da Internet e que enviam mensagens solicitando encontros com você!
•Cuidado ao utilizar a webcam, evite a exposição se você estiver sem roupas ou mesmo noseu quarto ou sozinho em qualquer lugar;
•Seja respeitoso online e trate os outros como gostaria de ser tratado, afinal você merece respeito de todos também. Evite repassar mensagens que possam humilhar, ofender, zombar ou prejudicar a pessoa que recebe este seu recado.
•Crescer e construir o seu corpo precisa de horas de sono e alimentação balanceada e saudável. Se você estiver se sentindo cansado, sonolento, com fome ou sem apetite, ou com dor de cabeça, nas costas, nos olhos ou nos ouvidos, desligue o seu celular ou seu computador, converse com seus pais ou consulte seu médico pediatra.