| Saul M. Sastre
Professor, escritor e palestrante
Meu nome é Vete, Oli Vete. Trabalho neste escritório há muitos anos e sou conhecida por todos, principalmente os mais velhos que nem eu. Essa nova geração high teck, multiconectada, sabe que eu existo, mas relutam em me pedir ajuda. Não gostam de mim! Enxergo isso no fundo dos olhos deles. Não me enganam! Acho injusto, pois tenho muita pouca chance de mostrar quem sou e quanto posso ajudar. Esses dias até café me derrubaram por cima.
Aquele líquido quente chegou queimando e por gravidade foi molhando tudo, até o chão. Nem pediram desculpas. Riram ironicamente e deram as costas. Foi seu João, amigo de muitas jornadas que me acudiu.
Não gosto de café, mas tenho boas lembranças com o seu cheiro. Muitas vezes eu e o Seu João ficávamos lado a lado, até tarde trabalhando para dar conta do ofício. Muitas horas extras foram feitas, muito café ele tomou e muita cafeína eu cheirei, mas no final estava ali, tudo pronto a gosto do seu Jarbas, nosso chefe.
Seu Jarbas era um homem do progresso. Filho do Ivo, famoso Guarda Livros da cidade, terminou a faculdade e veio trabalhar com o pai. Clientela pronta sabe? Quando chegou, éramos em muitos. As vezes as coisas encrencavam. Ainda lembro da sua cara de poucos amigos olhando para gente, com aquele charuto e o bigode amarelado que acompanhava o contorno da boca.
O tempo acabou aposentando todo mundo. Fomos sumariamente sendo substituídos por gente mais tecnológica e produtiva. Não concordo com o produtivo! Mas era o que todo mundo falava quando essa gurizada chegou. Foi difícil ver seu João me trocando por outra parceria, mas coitado, se ele não mudasse, também seria aposentado. Não teve escolha! Por isso ainda gosto dele.
O seu Jarbas eu odeio! Mas compreendo que se não modernizasse, iria acabar quebrando o escritório que era do pai. O tempo foi o culpado. Sim ele! Foi ele que trouxe o computador e suas novas metodologias de trabalho e junto essa gente que nem olha para mim. E esse mesmo tempo, por caridade, tem me mantido viva. Diz ele que eu tenho uma missão: Ser um exemplo para quem não quer se atualizar. No futuro serão assim que nem eu, uma velha máquina de datilografia, jogada em um canto da sala.