Texto | Denise de Oliveira | Fotos Divulgação
A espiada no celular a cada cinco minutos para conferir uma possível mensagem recebida do amigo, ou mesmo a checagem das notícias que não param de ser atualizadas nos sites corrobora para a ansiedade tecnológica de crianças e adolescentes. O vício também é estimulado pela ausência dos pais, que se mantêm mais tempo longe de casa em virtude dos compromissos profissionais. Na sala de aula o quadro também não é diferente: a agitação compromete o rendimento escolar. Na ânsia por uma solução imediata e sem apurar o diagnóstico adequadamente, a Ritalina tem sido prescrita por muitos profissionais de forma equivocada e desnecessária, chegando a ficar popularmente conhecida como a droga da obediência.
A Ritalina é o medicamento mais indicado para tratar Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). O distúrbio é comum – atinge cerca de 3 a 5% da população – e pode ser identificado a partir dos 6 anos de idade – ou antes – de uma criança, geralmente quando inicia a vida escolar.
Hoje, o Brasil é o segundo País que mais consome o produto no mundo. Além disso, o consumo por não-portadores de TDAH a partir de vendas ilegais pela internet, abuso por jovens em baladas ou para melhores resultados em provas ou no trabalho, já assumiram proporções muito assustadoras e assemelhadas a outras situações de tráfico de drogas.
A situação é tão grave que inspirou a pediatra Maria Aparecida Affonso Moysés, professora titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, a fazer uma declaração bombástica: “Quem está sendo medicado são as crianças questionadoras, que não se submetem facilmente às regras, e aquelas que sonham, têm fantasias, utopias. Só vivemos hoje num mundo diferente de mil anos atrás porque muita gente questionou, sonhou e lutou por um mundo diferente. Estamos dificultando, senão impedindo, a construção de futuros diferentes”, desabafa.
A médica também explica que, no caso de a criança já estar dependente do medicamento, ela poderá enfrentar crise de abstinência. Na lista dos sintomas está insônia, sonolência, piora na atenção e na cognição, surtos psicóticos, alucinações e correm o risco de cometer até suicídio se houver a sua interrupção. Paralelamente, a Ritalina está no mercado dos jovens e das baladas. A medicação inibe o apetite e, portanto, promove emagrecimento. Além disso, oferece a sensação de raciocínio rápido, capacidade de fazer várias atividades ao mesmo tempo — ou, pelo menos, dá essa impressão.
Benefícios, riscos e efeitos colaterais
Alguns especialistas acreditam que o medicamento tem sido usado em excesso e com diagnóstico precoce. O médico especialista em neurodesenvolvimento infantil e membro do Departamento de Pediatria do Comportamento e Desenvolvimento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Saul Cypel, acredita que há uma banalização do uso da Ritalina devido a alguns diagnósticos equivocados. Na sua opinião, o diagnóstico deve ser feito por uma equipe multidisciplinar formada por neurologistas e psiquiatras. Ele também defende a participação da família e de professores para entender a origem da desatenção, da hiperatividade e de outras características do distúrbio.
Conforme o neurologista Leandro Teles, membro da Academia Brasileira de Neurologia, ainda existem outras patologias em que a aplicação do medicamento está sendo estudada. “Narcolepsia (distúrbio do sono), depressão apática grave, alterações do estado de consciência, entre outras”, enumera.
O neurologista diz que os efeitos colaterais possíveis são: insônia, perda de apetite, ansiedade, aumento da pressão arterial e taquicardia. “Isso deve ser orientado aos familiares e conduzido pelo especialista. Problemas mais sérios, como convulsões e arritmias cardíacas, são improváveis, se respeitadas as predisposições individuais, as doses recomendadas e selecionando bem os pacientes”, ressalta. O especialista também afirma que, em doses recomendadas e sob um diagnóstico correto, a Ritalina pode ser um medicamento bastante seguro.
Pílula da inteligência?
Cada vez mais competitivos, os concursos públicos tem atraído um grande número de pessoas que objetivam estabilidade profissional e financeira. Mas, com pouco tempo para se dedicar às disciplinas e com as falsas promessas milagrosas, os concurseiros tem feito o uso da Ritalina sem indicação médica, para, entre outras finalidades, a suposta melhoria da concentração durante os estudos. Em função disso, a droga entrou para o rol da ilegalidade, e é vendida livremente em salas de bate-papo na internet.
O metilfenidato potencializa a ação dos neurotransmissores noradrenalina e dopamina reduzindo o que é, clinicamente, chamado de déficit de atenção. Isso faz com que o indivíduo hiperativo fique mais atento, concentrado. Essa ação da Ritalina junto aos hiperativos leva muitos estudantes a usarem o medicamento em busca de resultados semelhantes. No entanto, é falsa a impressão de que a droga aumenta a capacidade de acumular mais informações em menos tempo. Se funcionasse de fato, o candidato teria uma vantagem considerável em relação aos demais.
A psiquiatra Andiara de Saloma comenta que é um equívoco o uso indiscriminado do metilfenidato por pessoas que não têm os problemas para os quais ele é indicado, pois a droga não aumenta a capacidade de armazenamento de informações. “O cérebro tem limites e quando alguém está estudando, essa pessoa precisa do tempo adequado de descanso e sono para que possa armazenar as informações assimiladas. A ideia de que as drogas podem aumentar a capacidade de armazenamento é um grande erro”, esclarece.
Já o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, diretor do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Unifesp, observa que o mito de que a Ritalina teria o potencial de tornar alguém mais inteligente não faz sentido. “A pessoa fala que consegue estudar a noite inteira com o remédio. Isso é porque ela fica acordada e não porque tem uma melhora na atenção”, diz. Ele observa que o aprendizado sob o efeito da droga consumida inadequadamente é de má qualidade. Além disso, o uso excessivo do medicamento pode trazer sérias consequências para a saúde. A utilização sem necessidade pode causar efeitos colaterais como taquicardia, dores no peito e até perda de libido.