Por Aline Peterson |
Professora de Inglês e Português e estudante de Mestrado na área de Literatura Comparada
O universo Tarantino é como um mosaico, uma miscelânea de fragmentos que carregam suas personagens de um filme para o outro. Às vezes, é como se todos os filmes de Quentin fossem um só, com diversas narrativas que se aproximam e, por vezes, se cruzam.
Se o universo Tarantino já algo particular dentro do Cinema, um de seus filmes pode ser considerado uma referência, quase um símbolo desse universo tão peculiar. Pulp Fiction (em português: Pulp Fiction: Tempos de Violência), filme de 1994, é um marco no estilo Tarantino. O filme conta três histórias distintas, no entanto, entrelaçadas. O roteiro é apresentado dentro de uma narrativa não linear, fora da ordem cronológica, técnica comum em outras de suas obras.
Pulp Fiction é, então, um forte exemplo dos filmes de Tarantino no qual percebemos um jogo de interligações entre narrativas e personagens. No filme, John Travolta é Vincent Vega e Samuel Jackson, Jules Winnfield, dois assassinos profissionais que trabalham para Marsellus Wallace (Ving Rhames), um poderoso gangster. Vincent Vega é irmão de Vic Vega (Michael Madsen), um ladrão de bancos, personagem de Cães de Aluguel (Reservoir Dogs – 1992). Além disso, há outros exemplos de interligações entre Pulp Fiction e outros filmes de Tarantino. Jack Rabbit Slims, restaurante com estilo anos cinquenta, onde Uma Thurman e John Travolta realizam a épica cena, dançando C’est La Vie, de Chuck Berry, já havia sido mencionado em uma rádio durante a morte de Vic Vega, no filme Cães de Aluguel. De fato, o restaurante só aparece em Pulp Fiction. A maleta com diamantes no filme Cães de Aluguel é a mesma maleta misteriosa no filme Pulp Fiction. O restaurante Teriyaki Donut, que serve comida japonesa, é apresentado em Jackie Brown (1997) e Pulp Fiction. E, entre muitos outros exemplos que poderiam ser aqui mencionados, as espadas, que são usadas por Butch Coolidge, personagem do filme Pulp Fiction, e pela Noiva, personagem dos filmes Kill Bill, são feitas por Hattori Hanzo, que aparece em um dos filmes Kill Bill. O filme é uma teia de intertextualidade, que pode ser percebida não somente em relação com os demais filmes de Tarantino, mas também com outros filmes. A cena da dança, no Jack Rabbit Slims, por exemplo, pode remeter ao filme de grande sucesso Os Embalos de Sábado à Noite (Saturday Night Fever – 1977). O que faz muito sentido, já que Pulp Fiction reacendeu a carreira de John Travolta, depois de ele ficar um tanto esquecido após interpretar Tony Manero.
Tarantino é genialmente extravagante, quase um maníaco, obstinado a mostrar do que é capaz o cinema. Difícil colocar seus filmes dentro de um gênero cinematográfico. Sua violência é, no bom sentido, trivial, quase um clichê. No entanto, isso talvez desempenhe o papel de mostrar que a realidade não tem, digamos, tanto prestígio assim, pois a ficção pode até mesmo reparar a história. Tarantino consegue alinhavar toda a trama, sendo absurdamente claro, sempre com muitos diálogos de efeito, que funcionam cuidadosamente com o personagem e com o contexto no qual a cena está inserida, além de estarem carregados de ritmo. Além disso, todas as referências à cultura pop chegam ao espectador com muito do estilo característico de suas obras. Sempre sabemos quando estamos assistindo a um filme de Quentin Tarantino, mesmo que sejamos apresentados ao filme no meio dele. Em seus filmes, o prazer estético é tanto que assistimos inclusive às cenas de violência com prazer. Ao colorir com sangue de mentira seus cenários, Tarantino torna a violência suportável e até mesmo fascinante.