| Eneida Kompinsky – CRM 15849
Psiquiatra especialista em psiquiatria
e psicogeriatria pela ABP
Sempre digo que tive a sorte de escolher minha profissão. Desde muito cedo sabia que queria ser psiquiatra. Por muitos motivos, alguns nem lembro mais. Durante a faculdade de medicina, até tive algumas pequenas paixões, mas sempre voltei para minha primeira, que é a psiquiatria. Sem menosprezar as demais especialidades, sempre senti que a nossa saúde mental é o que nos faria passar pelas outras dificuldades de uma maneira mais digna e menos sofrida: uma grande perda, uma doença que pode ser terminal, um momento difícil.
Algumas dores psíquicas são íntimas, vividas de maneira individual, silenciosas; outras são escancaradas, gritadas, choradas; outras ainda se transformam em desânimo, entre outras coisas. As pessoas enfrentam as situações da vida do jeito que são. Quem é egoísta, continua egoísta; quem é ruim, continua ruim e assim por diante.
Mas hoje gostaria de falar sobre preconceito, aquilo de que lançamos mão quando não conhecemos algo. Estou formada há trinta anos (nem sei como passou tão rápido). Muitas coisas mudaram dentro da psiquiatria neste tempo. Quando comecei, havia preconceito, por exemplo, contra o psiquiatra que receitava remédios, considerado um profissional menor. O “cara” era o psicanalista que propunha um tratamento com sessões analíticas de cinquenta minutos, quatro vezes por semana, em um divã (essa era praticamente a única maneira de tratamento). E, entre os colegas médicos, havia sempre brincadeira de que o psiquiatra não era médico. Enfim, com o passar do tempo, foram descobertas muitas coisas sobre o nosso cérebro, mecanismos de acão e neurotransmissores (dopaminas, serotoninas, GABA, entre outros). Hoje não se fala em um só mecanismo ou neurotransmissor, se fala em rede de neurotransmissores; se fala em depressão, por exemplo, como uma doença inflamatória, do corpo todo; se fala em mecanismos que possam explicar organicamente compulsões, pânicos, bipolaridades. Muito se tem descoberto, o que me orgulha, pois são abertas muitas opções de tratamento e, com elas, vem a esperança de resultados ainda melhores.
Na contramão disto, o preconceito segue. Não há um dia, em que não ouça um familiar desfazer a dor de uma depressão, que seria preguiça ou fingimento. Não há um dia em que não escute algum paciente chegar envergonhado ou trazido pela mãe ou esposa, dizendo que não é louco, ou um dependente químico que não queira usar uma medicação que pode ajudá-lo a se afastar da droga que usa, porque o remédio prescrito pode “viciar” (alguns até riem espontaneamente… já são viciados, afinal). Em tempo, é importante dizer que os remédios psiquiátricos, na sua imensa maioria, não viciam. Até hoje, o vilão dos filmes acaba no hospício, o que confunde maldade com doença psíquica. Há ainda o preconceito do próprio poder público, que, a depender da ideologia, trata a doença psiquiátrica apenas como resultado de condições sociais, o que é uma pobreza de conhecimento, aumentando o estigma da doença mental. Falando de maneira simplista, seria como se uma criança que pegasse uma doença por falta de saneamento não devesse ser tratada.
Enfim, hoje se conhece melhor como funciona a doença mental. Ainda falta muito, mas, de cinco anos para cá, as descobertas têm sido enormes, e muitos pesquisadores têm apresentado novas descobertas científicas a respeito da doença psiquiátrica, trazendo assim novos caminhos de tratamento. Lembro ainda que inúmeras doenças físicas podem apresentar sintomas psiquiátricos como fibromialgia, diabetes, insuficiência renal, epilepsias, doenças da tireoide, tumores, câncer.
Um psiquiatra pode tratar transtornos relacionados ao uso de substância (álcool e outras drogas), psicoses (esquizofrenia é um exemplo), transtorno de humor (a mais conhecida é o transtorno bipolar), transtornos de ansiedade (como TOC, reações agudas ao estresse, pânico), transtornos alimentares, do sono, sexuais, transtornos associados ao puerpério (como é o caso da depressão pós-parto), transtornos de personalidade, transtornos compulsivos, autismo, ansiedade de separação, sintomas psiquiátricos de demências e muitas outros ainda. O psiquiatra também faz laudos judiciais.
Alguns destes transtornos citados já tem sua própria especialidade como é o caso da especialização em psiquiatria infantil, forense, psicogeriatria, entre outras. Mas o trabalho psiquiátrico não é fechado em si mesmo. Cada vez mais a colaboração de outros outros colegas é buscada: psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e médicos de outras especialidades.
Por todos esses motivos, não deixe de procurar tratamento. Doenças psiquiátricas também matam. O número de suicídios é muito grande; o número de doenças que estão associadas à depressão é enorme, como é o caso das doenças cardíacas (comorbidades). Isso porque a pessoa com doença mental às vezes não faz de maneira satisfatória seus outros tratamentos: “deixa para lá” o uso do hipertensivo, da insulina, etc., piorando sua condição física.
Peça ajuda…a saúde pública tem os CAPS, ambulatórios, em caso de emergência, prontos atendimentos como a UPA. Existem também na comunidade grupos de autoajuda, como alcoólicos anônimos, narcóticos anônimos, neuróticos anônimos, grupos de familiares de esquizofrênicos, de autistas, de portadores de Alzheimer e outros tantos.
A dor psíquica pode ser devastadora: vamos deixar o preconceito para longe…