Texto por Denise De Oliveira Milbradt | Foto Divulgação
Alimentar-se vira uma maratona diária, cujas regras ficam cada vez mais difíceis de serem atingidas. Tudo passa a ser proibido e a convivência social reduz drasticamente.
Comer bem virou moda. É preciso evitar alimentos com gordura trans, glúten e enlatados. Os carboidratos e, agora também o leite, entraram na lista dos condenados. Já o ovo, recentemente, saiu da fila dos proibitivos. É indicada a ingestão de proteína, vitaminas e tantos outros queridinhos das dietas contemporâneas. São tantos produtos vetados e orientações de consumo, que algumas pessoas acabam se tornando reféns das suas próprias refeições. Criam regras, cada dia menos prováveis de serem atingidas, em prol de um corpo saudável e magro. O alto padrão de exigência ainda o afasta do convívio social, principalmente das festas familiares, que sugerem churrascos, doces e outros pratos altamente calóricos. Pronto: está declarado o transtorno obsessivo.
O termo ortorexia é de origem grega. “orthós” significa correto e “orexsis”, fome, o que nos leva a hipótese de que é comer da forma correta, porém tudo o que é demasiadamente rígido ou, ao contrário, de menos, gera desequilíbrio, levando ao processo de adoecimento. Assim, a ortorexia é um distúrbio de comportamento alimentar diagnosticado há poucos anos, após a publicação do livro ‘HealthFood Junkies’’, traduzido como ‘’Viciados em Comida Saudável’, do médico americano Steven Bratman, lançado em 2001.
Suspeite que a pessoa esteja sendo vítima da doença quando ela se mostrar obcecada quanto aos padrões daquilo que come e chega ao ponto de deixar de aceitar convites para almoçar ou jantar fora, seguindo a risca dietas pensando apenas na alimentação e no desempenho da imagem corporal. A vítima da ortorexia também preocupa-se em demasia com a forma de preparo e os utensílios utilizados na preparação dos alimentos.
Comer fora de casa é considerado um problema. A meta é não ingerir outro tipo de produto fora de sua imensa lista. Pesam os alimentos e sentem “grande culpa se quebrar as regras” e sensação de conforto acima do normal ao fazer um prato elaborado, exclusivamente, com produtos orgânicos, ecológicos, bio ou com determinados certificados de salubridade. É quando acabam se isolando para conseguir se alimentar da forma mais saudável possível ou com alimentos considerados “puros”. A dieta “saudável” acaba tomando conta da sua vida.
Ainda assim, uma linha tênue separa aquele que se preocupa em seguir uma dieta saudável e aquele que sofre com o transtorno. Segundo o psiquiatra e supervisor do Programa de Transtornos Alimentares do IPq – Instituto de Psiquiatria HC (Hospital das Clínicas), Eduardo Aratangy, três aspectos definem quando o quadro passa a ser patológico. “Primeiro observamos se o comportamento traz sofrimento à pessoa. Segundo, se traz disfuncionalidade, ou seja, se ela precisa abrir mão das atividades cotidianas, como estudo, trabalho e relacionamentos, em nome dessa preocupação. E terceiro, se traz isolamento social.”
Os malefícios para quem vive com a doença afetam tanto físico como emocional. “No âmbito psicológico, há o sofrimento de ser refém de uma seletividade, uma obsessão alimentar. Um ortoréxico que viaja pode ter muita dificuldade em encontrar alimentos e chegar até a se privar da viagem”, afirma Aratangy. “Quanto ao físico, podem ocorrer desvitaminoses e desnutrição protéico-calórica. Em casos mais graves, pode haver até intoxicação. Quem toma apenas chá verde, por exemplo, pode desenvolver cálculo renal e gastrite dependendo do grau de comportamento alterado”, completa.
Para alguns, a capacidade de desempenhar trabalhos ou de estudar pode começar a declinar, à medida que a sua mente se ocupa cada vez mais com a sua dieta e com os alimentos que são permitidos, como articulá-los no seu dia a dia, quantas vezes se devem mastigar e por aí fora. Há tantos fatores que envolvem estes transtornos alimentares que os pensamentos podem ficar totalmente ocupados por eles, deixando pouco espaço para outros rumos de ideias e a concentração e a motivação acabam por ficar na retaguarda.
Tratamento multidisciplinar é a solução
A boa notícia é que a ortorexia pode ser um problema passageiro na vida de quem procura ajuda. O tratamento é multidisciplinar e consiste na integração das partes médica, nutricional e, principalmente, psicoterápica. O problema é que a pessoa ortoréxica não procura ajuda porque acredita que está fazendo a escolha certa.
A restrição do cardápio dos ortoréxicos diminui, significativamente, a quantidade de vitaminas necessárias para uma dieta balanceada. O extremismo leva à deficiência de ferro, zinco, vitamina B12 e cálcio no corpo. Em consequência desse radicalismo podem surgir doenças como a anemia, aumentar o risco de doenças imunológicas, hipertensão e outras.
Assim como outros transtornos alimentares, a ortorexia necessita ser tratada. Geralmente o histórico de vida do paciente é levado em conta durante o diagnóstico. Exames físicos e de sangue também podem ajudar. Diante dos sinais um médico deve ser consultado. Dependendo da gravidade da situação e da idade do paciente outras medidas podem ser tomadas.
As linhas de ajuda são variadas e costumam ser bastante eficiente. Na grande maioria das vezes um indivíduo com ortorexia consegue até levar uma vida normal. A nutricionista Kalinca Oliveira explica que a preocupação excessiva com calorias e nutrientes de cada alimento, pesar-se várias vezes ao longo do dia, analisando-se no espelho, constantemente, podem ser alguns dos indícios de que algo não está bem. Ela ainda lembra que deixar de frequentar lugares habituais, principalmente onde se possam encontrar alimentos considerados não saudáveis dentre da sua dieta. “É preciso lembrar, no entanto, que diferente da bulimia e anorexia, a pessoa permite-se comer, mas fica tão obcecada com o que come, que todos seus pensamentos ficam ocupados com a dieta”, detalha.
Para tratar esse paciente, Kalinca sugere o acompanhamento multidisciplinar, incluindo nutricionista, psicólogo e médico. Na consulta com um nutricionista, o ideal é tentar desprendê-lo um pouco dos critérios de escolha destes alimentos e montar um cardápio com ingredientes variados. A meta é elevar o consumo de vitaminas e minerais, consequentemente, melhorando sua imunidade. Com esse maior consumo de alimentos, a pessoa também iria consumir mais calorias, cujo ideal seria aumentar a atividade física para sua perda.
Cuidados para não se tornar ortoréxico
• Não falar o tempo inteiro sobre alimentação saudável;
• Não sofrer caso não tenha acesso ao alimento correto;
• Frequentar ocasiões sociais sem deixar de se alimentar, mesmo que continue fazendo a opção pelo mais saudável;
• O acesso indiscriminado a informações sobre alimentação saudável e a disseminação de perfis de Instagram sobre bem estar favorecem o surgimento desse transtorno.
Sintomas
• Preocupação excessiva com alimentos e com suas qualidades nutricionais;
• Ter uma dieta restritiva;
• Perda rápida de peso e de gordura;
• Excessiva preocupação com o que comeu ou com o que vai comer;
• Incapacidade de comer algo que não foi preparado por ela mesma;
• Curiosidade em saber as composições de cada alimento e como eles foram feito.