Texto por Aline Peterson – Professora de Inglês e Português e estudante de Mestrado na área de Literatura Comparada
Os olhos registram episódios que podem duram pouco mais de alguns segundos em nossa memória, ou acontecimentos que recordamos durante a vida toda. Através dos olhos, somos capazes de explorar sentimentos mais profundos. Eles manifestam emoções de uma forma que, muitas vezes, palavras jamais conseguiriam confessar.
O cinema Argentino fascina cinéfilos no mundo inteiro, e não foi diferente com o filme de Juan José Campanella, “O Segredo dos seus Olhos”, de 2009. O filme, baseado no livro “La Pregunta de Sus Ojos”, de Eduardo Sacheri, foi premiado no Oscar, vencendo o favorito austríaco “Fita Branca”, de Michael Haneke.
O filme de Campanella revela o poder que os olhos possuem, de revelar segredos que não seríamos capazes de simplesmente contar. O filme relata duas histórias paralelas. A primeira delas é a história de Benjamín Espósito, que após trabalhar a vida toda em um Tribunal Penal encara a aposentadoria. Ele não tem esposa ou amigos e decide escrever um romance baseado num acontecimento pelo qual passou em seu tempo de investigador, ocorrido há 25 anos. Em 1974, ele foi investigador em um crime bastante violento, o estupro seguido de assassinato de uma linda jovem, Liliana Colotto. Ao resgatar a trama policial, Benjamín irá também confrontar sua antiga paixão por Irene e terá de refletir sobre desacertos passados, duas inseguranças e decisões a serem tomadas.
A segunda história é o romance que Benjamín está escrevendo. Além de questões pertinentes sobre racismo, pena de morte e impunidade, há uma variedade de histórias que acontecem no filme, e todas são realizadas de forma que haja uma conexão entre elas, de um jeito preciso que faz com que não percamos o entusiasmo. Há tensão na maior parte da trama e algumas cenas chegam a ser intensamente angustiantes. O controle do diretor sobre as emoções chama a atenção, por exemplo, na cena do elevador, onde é impossível ficar inerte. Além disso, por diversas vezes, a câmera muito próxima do rosto das personagens propõe-se a revelar o que olhos querem dizer, e o belíssimo e competente elenco consegue passar a verdade revelada em cada olhar.
Ao examinar fotografias antigas do casal, Benjamín nota em diferentes fotos um mesmo homem com olhar vidrado em Liliana. Identificado nas legendas como Isidoro Gómez. Então, o esposo da bela jovem, o bancário Ricardo Morales, passa a ocupar todo o seu tempo na procura pelo assassino, fazendo disso sua obsessão. Em uma conversa com Benjamín, Morales deixa claro que não é favor da pena de morte, já que para ele não haveria compensação em matar uma pessoa que havia cometido um crime tão sórdido com uma injeção que o faria dormir tranquilamente em alguns instantes. A impunidade, outro assunto posto em discussão no filme, fica clara quando são expostas certas relações de poder e como elas são capazes de manipular a justiça quando se trata de interesses pessoais
As duas histórias se cruzam em muitos pontos, desde os personagens, que são muito semelhantes em seus aspectos e condutas, até nas situações que estes personagens enfrentam e que os levam a tomar decisões importantes. Irene é a mulher competente, inteligente e interessante nas duas histórias, e nas duas, Benjamim é menos corajoso que ela, quase incapaz de tomar uma decisão importante quando se trata do amor que, há muito tempo, sente por Irene.
Com diversos assuntos pertinentes, talvez os pontos mais altos do filme sejam o amor e a punição. Por um lado, temos o amor de um esposo que perdeu sua mulher e não se conforma com isso, carregando durante o resto de sua vida as boas lembranças dos momentos que passara com ela, as ações cotidianas que os tornavam felizes. Por outro lado, temos o sentimento de vingança desse mesmo homem, que falha em qualquer tentativa de recomeço, já que, assim como não pode deixar as velhas e boas lembranças serem apagadas com o tempo, também não consegue parar de pensar na morte cruel de sua amada. “Uma vida cheia de nada”, é o que ele deseja para o assassino, de sua esposa e seu próprio. E é isso também que ele acaba obtendo, preso no cárcere privado do seu próprio passado.