Texto por Kamyla Jardim
“ Meu filho interage pouco com as pessoas, prefere brincar sozinho, tem dificuldades para falar e se comunicar, e, algumas vezes, o encontro girando em torno de si… Meu filho foi diagnosticado com autismo, e agora?”. O autismo pode ser considerado um dos transtornos mais complexos da atualidade. Pouco se sabe sobre as reais causas, os sintomas e as consequências são diversos e variam de caso para caso. Ciente da delicadeza e das diversas dúvidas que cercam este tema, a Revista Mais Matéria conversou com a psicóloga Juliane Pires, que atende casos de autismo e esclareceu as principais questões. Confira a seguir:
• Por que algumas pessoas nascem autistas?
Delimitar as causas do autismo é algo muito delicado. A etiologia desse transtorno, conforme apontam estudos mais recentes é multifatorial, ou seja, pode ser composta por fatores tanto genéticos como neurobiológicos. Os fatores psicológicos e familiares, embora sejam extremamente relevantes tanto para entendimento como tratamento do autismo, atualmente não são considerados determinantes enquanto causa do autismo, mas como consequência em termos do comprometimento psicológico que esse transtorno acarreta e principalmente o impacto causado no que tange as relações familiares.
• Como é possível perceber que a criança é autista?
Uma criança para ser diagnosticada com autismo basicamente terá um comprometimento clinicamente comprovado nas seguintes áreas: interação social (realizar trocas afetivas, compartilhar interesses, fazer contato visual, se colocar no lugar do outro, ler e compreender), comunicação (se expressar verbalmente, compreender as expressões verbais, estabelecer uma conversa) e comportamento (interesses muito restritos e rígidos, comportamentos estereotipados como balançar de mão, girar ao redor do próprio corpo, se interessar por parte de objetos).
Sendo que a forma, a quantidade e a intensidade de cada sintoma dentro dessas áreas afetadas variam enormemente de um paciente para outro. Por exemplo dentro da minha experiência clínica já atendi casos de crianças com déficits muito sutis em sua fala e casos de crianças que não conseguiam estabelecer nenhuma comunicação verbal. Bem como crianças que, consideradas suas limitações, conseguem ser inseridas no ambiente escolar e de estabelecer relações bem sucedidas com colegas e professores, e outras que tem extrema dificuldade de manter contato visual, aspecto tão basal das relações humanas.
Essa enorme gama de sintomas do espectro autista também varia muito de acordo com a idade da criança em questão. Existem crianças que apresentam sintomas muito claros em uma idade precoce e outras mais tardiamente. Mas, comumente, os primeiros sintomas costumam aparecer antes dos 3 anos de idade. Então uma forma bastante eficiente de detectar prováveis sintomas e eliminar suspeitas se uma criança realmente apresenta comprometimentos invasivos em seu desenvolvimento é a observação. Em cada fase do desenvolvimento infantil se espera que a criança consiga atingir alguns progressos básicos, são os chamados marcos do desenvolvimento. Esses marcos são tanto físicos como psicológicos, como, por exemplo, fazer contato visual, engatinhar, sentar, falar, andar, saber controlar a urina e as fezes, brincar, interagir em grupo, ler, escrever. Se os pais ou cuidadores observarem que a criança não atingiu esses progressos, principalmente em termos de interação social, não significa obrigatoriamente que a criança seja autista, mas aconselho que um profissional qualificado seja consultado para maiores esclarecimentos e orientações.
• Por que alguns autistas apresentam retardos e já outros possuem uma inteligência altamente desenvolvida?
Com relação as capacidades intelectuais, o transtorno autista também apresenta uma variação bastante interessante. O retardo mental não é um critério para que o Transtorno Autista seja diagnosticado. Algumas crianças autistas apresentam em geral um retardo mental médio, enquanto outras não apresentam comprometimentos intelectuais que correspondam a um retardo, embora suas capacidades cognitivas sejam limitadas. Em contrapartida alguns autistas, que são chamados de autistas de nível superior, têm capacidades intelectuais médias ou superiores. As variações são de caso para caso, por exemplo, atendi um paciente que embora não apresentasse retardo metal, a aprendizagem dele se tornava comprometida pela dificuldade de focar a atenção por causa neurológica, de compreender o funcionamento social em contexto escolar, devido ao déficit nas interações sociais. Isso acabava dificultando a sua permanência em sala de aula, ele não conseguia ficar sentado na cadeira, entender os horários, e, consequentemente, influenciando negativamente na sua aquisição da aprendizagem.
• Quais são os tratamentos para o autismo? Ele tem cura?
O autismo é um transtorno que costuma evoluir sem períodos de remissão acentuada, ou seja, o paciente em acompanhamento adequado pode evoluir e muito, desenvolver suas capacidades e adquirir outras, mas a condição desse transtorno é crônica. Por ter alterações em diversas áreas, na maioria dos casos seu tratamento deve ter um seguimento multiprofissional, com neurologista, fonoaudiólogo, psicólogo, terapeuta ocupacional. Por mais que seja um transtorno que comprometa muito o desenvolvimento da criança em diversas áreas, o acompanhamento profissional faz uma grande diferença na vida dessas crianças, desenvolvendo ao máximo as capacidades de cada uma delas de acordo com a sua necessidade e respeitando as suas limitações. Salientando também que é imprescindível que a família dessa criança autista também seja acolhida de fato e receba respaldo nesses atendimentos.
• De que forma os pais podem auxiliar no tratamento dos filhos autistas?
O contexto familiar, principalmente os pais de uma criança autista, é peça fundamental para que esses casos tenham prognósticos mais favoráveis. Acredito que o primeiro e talvez mais importante passo é a aceitação do diagnóstico por parte dos pais. E parte fundamental desta aceitação é procurar não se culpar pela problemática do filho, pois esse sentimento não auxilia em nada, somente atrapalha a elaboração dessa realidade. Pais não são causadores de autismo, mas como eles lidarão com a questão tem enorme influência no prognóstico do transtorno, podendo contribuir para sua melhora ou manutenção ou agravamento dos sintomas. Aceitar é tentar ao máximo compreender tudo que este diagnóstico implica, buscar informações, estar ciente sobre o que está acontecendo com o seu filho, o porquê de estar acontecendo e como manejar com essa situação. E após isso auxiliar para que o demais familiares também consigam proceder da mesma forma com relação à criança.
De posse dessas informações, os pais vão conseguir de uma maneira mais fácil fazer as adaptações que as limitações da criança requerem, criar estratégias, rotinas, enfim conseguir ter um entendimento e um novo olhar sobre como proceder. A busca de ajuda especializada também é imprescindível, uma vez que os pais para conseguirem ajudar seus filhos de fato, necessitarão que eles tenham um acompanhamento multiprofissional. Não podemos esquecer também que a família deve criar uma rede de relações sólidas com a escola e com os profissionais que atenderão a criança. As trocas que permearão essas relações, a confiança que se consolidará nelas, o apoio recebido serão primordiais para que o tratamento da criança seja bem sucedido.
• É possível um autista ter uma vida normal?
Como já foi abordado, o paciente autista tem plenas condições de evoluir, de desenvolver suas potencialidades e de adquirir novas capacidades e, desta forma, avançar no seu desenvolvimento biopsicossocial, dentro das suas limitações. Mas mesmo que essas evoluções existam, não há uma remissão total dos sintomas, ou seja, a tão falada “cura” não será alcançada. Considerando essa realidade, um paciente autista, dependendo do grau do seu comprometimento, terá condições de ter uma vida normal no sentido de frequentar a escola, de fazer parte da sociedade, de ter um emprego, de se relacionar no meio familiar, de ter hábitos referentes aos cuidados consigo mesmo, andar de ônibus e tantas outras coisas. O que difere é a forma como ele vai fazer essas coisas. Por exemplo, mesmo que muitas aquisições sejam alcançadas em virtude de um paciente estar sendo assistido profissionalmente, e a conquista dessas aquisições possibilite que ele ingresse na escola, esse ingressar na escola terá que ser feito de uma forma diferenciada, considerando as singularidades deste aluno.
Um autista na vida adulta pode conseguir trabalhar, mas esse emprego certamente terá que ser em um ambiente assistido. E na maioria dos casos, os pacientes necessitam de um cuidado especializado e dependem de seus familiares de uma forma constante. Acredito que, com base nos estudos e pesquisas sobre a temática, maior será o grau de evolução e redução dessa dependência constante, se o paciente tiver associado ao autismo um retardo mental leve ou não tiver retardo, se conseguir adquirir capacidades linguísticas, mesmo que limitadas, antes dos 5 anos e se receber tratamentos adequados o mais precocemente possível.
O gênio da bola
Autistas podem ser capazes de feitos impressionantes — e o filme Rain Man, feito em 1988, ilustra isso. Hoje já se sabe, por exemplo, que os físicos Newton e Einstein tinham alguma forma de autismo, assim como Bill Gates. Entretanto, um autista famoso tem ganhado destaque no futebol e já foi eleito o melhor do mundo.
Messi é autista. Ele foi diagnosticado aos 8 anos de idade, ainda na Argentina, com a Síndrome de Asperger, conhecida como uma forma branda de autismo. Ter síndrome de Asperger não é nenhum demérito. São pessoas, em geral do sexo masculino, que apresentam dificuldades de socialização, atos motores repetitivos e interesses muito estranhos. Popularmente, a síndrome é conhecida como uma fábrica de gênios. É o caso de Messi.
Messi apresenta dificuldades de comunicação, sente-se constrangido em entrevistas coletivas e não gosta de participar de eventos sociais. A ideia de uma das maiores celebridades do mundo ser um autista não surpreende, mas encanta e mostra que o transtorno pode ser associado a uma rotina normal de atividades diárias.