Texto por Kamyla Jardim
A intensa inserção das redes sociais na rotina das pessoas não é mais novidade para ninguém, entretanto as suas consequências continuam a interferir e surpreender a sociedade. Contatos com pessoas distantes são mantidos, festas, comemorações, encontros dos mais diversos são marcados e relembrados, até mesmo, fortes mobilizações sociais formam-se e ganham reconhecimento com o auxílio desta ferramenta virtual.
A popularidade das redes sociais é tamanha que diversos conceitos foram modificados, interferindo na forma do público se comunicar, agir e, principalmente, relacionar. Os relacionamentos mudaram, sem dúvida alguma, as redes sociais se tornam uma extensão do que é vivido. Para algumas pessoas, infelizmente, o virtual é a construção de uma vida desejada, porém irreal.
As pessoas que provavelmente sentem de forma mais clara os benefícios e prejuízos do uso das redes sociais são os casais conectados. Atualmente, o relacionamento amoroso tem que, além de lidar com as questões do convívio a dois, preocupar-se com a relação no mundo virtual.
De acordo com o médico geral e psicanalista Carlos Panni, cada época tem seus desafios e a necessidade de adaptação. Não significa que os relacionamentos atuais são melhores ou piores, mas que possuem uma nova realidade que precisa ser incorporada e vivida, atendendo os sonhos e as necessidades. “A internet e, mais especificamente as redes sociais, tem se infiltrado em todas as áreas da atividade humana. Com os relacionamentos afetivos não tem sido diferente. Uma fração variável do tempo, de cada um, passa a ser disputado pelos encantos que as amizades virtuais podem proporcionar. Aí, como em todas as outras situações, o equilíbrio é fundamental”, revela o doutor. Panni destaca que tudo é bom na medida certa, enquanto for bom para todos os envolvidos, porém, relembra que os principais problemas são os frequentes desequilíbrios, uma vez que os relacionamentos virtuais podem ser mais atrativos, por várias razões: não há enxaqueca, nem menstruação ou TPM, ninguém grita ou exala odor de álcool ou se apodera do controle remoto, por exemplo. “Nesses casos, sem dúvida, as redes sociais podem competir e prejudicar enormemente qualquer namoro ou união estável”, afirma.
Como em um catálogo de modelos, as pessoas mostram-se como desejam, corrigindo ou escondendo imperfeições numa série de “efeitos especiais” que vão além da imaginação. De acordo com o psicanalista, aspectos físicos, culturais, morais, financeiros, e o que mais quiser, podem ser moldados a vontade. Esse fator cria pessoas extremamente interessantes, atrativas e sem defeitos, favorecendo os encantos por um terceiro envolvido no relacionamento, uma possível traição.
Em vista desta competição, às vezes desleal, os conflitos podem aparecer e se intensificar a ponto de romper relacionamentos novos e outros já estabelecidos há muito tempo. Segundo o médico, o ciúme parece ser o motivo mais comum para o término, já que as amizades virtuais podem migrar facilmente para intimidades e laços mais profundos e comprometedores. Entretanto, todo relacionamento é entremeado pelas mais diferentes peculiaridades. Panni afirma que não há namoro ou casamento semelhante e perfeito. Cada casal tem o desafio único e intransferível de trabalhar seus encontros e desencontros para que a união seja gratificante e duradoura. “Mesmo que casais possam aparentar perfeição em sua convivência, entre quatro paredes os conflitos sempre existirão. Felizes não são os relacionamentos que não tenham desafios e dificuldades, mas aqueles que têm estrutura suficiente para superá-los”, afirma.
A busca por ter ou pelo menos aparentar um relacionamento perfeito, sem brigas e desentendimentos foi acentuada pelas redes sociais. Nela, diversos casais apresentam-se vivendo o devaneio da completa felicidade e do amor eterno, porém a realidade é outra. “Não é uma questão de ser negativista, mas toda relação, inclusive a que estabelecemos conosco, é sempre conflituosa. Imagine uma relação entre duas pessoas com bagagens tão diversas. Querer guiar-se pela aparência de outros relacionamentos, por melhores ou piores que sejam, é sempre desastrosa. Cada um planta suas sementes e faz o seu caminho”, aconselha o psicanalista.
De acordo com Panni, cada vez mais a literatura médica e psicológica tem se preocupado com o crescente número de conflitos conjugais pelo uso abusivo ou indevido dos sites de relacionamento ou de outros conteúdos. Casais podem sofrer sério desgaste quando um ou ambos acabam priorizando a aproximação virtual com consequente distanciamento da relação física e afetiva. Segundo o médico, os relacionamentos afetivos são, de longe, o maior desafio de homens e mulheres. Por serem íntimos e complexos, dispõem de poucos recursos, além do esforço pessoal para que “tudo dê certo”. “Face às incontáveis diferenças entre os amantes, não raro, ‘tudo acaba dando errado’, como mostram as alarmantes estatísticas de divórcio já no primeiro ano de casamento. É como querer construir um imponente castelo de felicidade sobre os casebres das imperfeições de cada um. O castelo vai ruir e os casebres permanecerão em pé”, destaca o doutor.
Conhecer o outro para amá-lo, de fato, exige primeiro conhecer-se. O médico afirma que não há como desfazer arestas do relacionamento se não forem consertadas as arestas do próprio indivíduo, como carências, traumas, tabus, preconceitos, entre outros.
“Assim, internet, redes sociais, jogos de futebol e roda de amigos podem ser muito saudáveis, como também calamitosas, destruindo, entre lágrimas e frustrações, namoros e casamentos. Tudo depende do quanto o casal estiver atento, do equilíbrio como são feitas as escolhas, do corrigir distorções a tempo, antes que aquilo que for bom possa se tornar ruim. Tudo depende do quanto estejam conscientes do que querem, dispostos a encarar desafios, superarem as diferenças, comprometerem-se um com o outro para, enfim, realizarem o sonho de felicidade a dois”, finaliza o psicanalista Panni.