Dra. Arianne de Sá | Psicóloga CRP.: 07/15985
Era um dia escaldante de verão. Um daqueles dias em que a maioria das pessoas gostaria de estar na praia, se divertindo, longe de qualquer compromisso, seja ele profissional, seja ele de saúde, incluindo, o de fazer terapia. Pensar para que? Torrar os neurônios em um calor de 40 graus pensando sobre si mesmo? Ter o trabalho de confrontar as próprias crenças, os sentimentos mais escondidos, os pensamentos mais distorcidos, de encarar mudanças de comportamentos tão antigos, enraizados em um organismo, geralmente, tão acomodado? Loucura!
Bem, mas ali estava Pedro (nome fictício). Toda semana era sagrada a sua presença, no mesmo dia, no mesmo horário, nunca faltando, nunca se atrasando, nunca desmarcando, sempre cumprindo todas as combinações terapêuticas, “na medida do possível”. Havia evoluído muito ao longo do seu processo terapêutico, que já durava 1 ano e 8 meses. Chegou com um quadro de Transtorno de Pânico, que apareceu aos poucos na vida do paciente, sem que ele percebesse. Tinha uma vida atribulada, cheia de compromissos, reuniões de trabalho. Era dono de uma empresa, a qual tinha a impressão de não conseguir gerenciar bem. Sentia-se impotente, incapaz, sufocado pela sua agenda lotada e sem forças para realizar as mudanças necessárias para o bem da sua empresa, da sua família e de si mesmo. Era um pai ausente, tinha um casamento à beira do abismo. Então, as crises de pânico vieram. Felizmente, em poucos meses, o quadro foi trabalhado. Continuou em terapia.
Outras demandas apareceram: treinamento de habilidades sociais, questões de autoestima, trabalho de crenças disfuncionais, treino em tomada de decisão, em capacidade de resolução de problemas e assim sucessivamente, pois a vida seguia – uma sociedade acabava, os lucros da empresa diminuíam, o vizinho começava a incomodar, um familiar adoecia (…). Já havíamos conversado várias vezes sobre a possibilidade de espaçarmos as sessões para uma frequência quinzenal, mas Pedro se sentia melhor fazendo sessões semanais, então, seguíamos assim. Naquela quarta-feira, seus olhos brilhantes, ávidos pela sua intervenção semanal, me esperavam na recepção quando o chamei. Entrou, se acomodou confortavelmente na poltrona, pediu sua habitual xícara de chá de camomila e iniciamos a sessão. Ele continuava bem, aplicando as técnicas aprendidas na terapia, enfrentando habilidosamente os problemas que surgiam e, obviamente, o elogiei por isso: “Ótimo, Pedro! Você continua sendo um excelente terapeuta para si mesmo! Percebe que está muito bem?”. Antes que eu continuasse, ele me interrompeu e disse: “Sim, você entende? Estou tão bem que quero continuar na terapia!” sic. E, então, eu engasguei, parei e refleti.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades. Sendo assim, não é porque Pedro não tem mais Transtorno do Pânico ou porque não se sente mal que não precisa mais de terapia. Até a noção de “precisar de terapia” é enviesada, pois nos dá a impressão que só temos que procurar um psicólogo (ou permanecer em terapia) quando estamos doentes ou nos sentimos mal. A lógica, na verdade, deve ser outra. Pedro está coberto de razão ao dizer “Estou tão bem que quero continuar na terapia!”. Afinal, só devemos procurar e permanecer em uma academia quando obesos? Só devemos comer bem (de forma saudável) quando queremos emagrecer? Só temos que ter lazer quando estamos estressados? Nãooo!!
Ao ter a consciência de que a terapia o faz bem e este é um hábito que quer manter, Pedro, na verdade, está investindo em prevenção e promoção de saúde, em qualidade de vida, assim como uma pessoa faz academia e se alimenta de forma equilibrada o faz para ter um estilo de vida mais saudável e não, necessariamente, por indicação médica, após já ter adquirido uma doença. Após me olhar fixamente por cima de seus óculos pesados, Pedro voltou a tomar tranquilamente a sua xícara de chá de camomila, narrando como havia se saído bem nas reuniões de negócio da semana e quais os próximos desafios para os quais deveria se preparar para enfrentar: negociações com empresas, sócios, criação de novos produtos (…). A sessão transcorreu tranquilamente. Mais de um ano passou e Pedro continua em terapia com sessões semanais. É um empresário, marido e pai de sucesso, que se sente cada vez mais preparado para lidar com os desafios que a vida lhe impõe, sejam eles de ordem pessoal, profissional, afetiva (…). A terapia é uma ferramenta essencial para que ele consiga manter o equilíbrio frente a tantas pressões com as quais tem que lidar em seu cotidiano. Ahhh.. e Pedro continua sendo fiel ao seu chá de camomila, adora tomá-lo quentinho em todas sessões de terapia.