| Por Aline Peterson
Professora de Inglês e Português e Mestre na área de Literatura Comparada
Ensaio sobre a Cegueira é um filme de Fernando Meirelles, realizado em 2008, com roteiro baseado no livro de mesmo nome do escritor José Saramago, lançado em 1995. Antes de Fernando Meireles, Saramago rejeitou algumas tentativas de adaptação do livro, pois segundo o autor, “o cinema destrói a imaginação”. No entanto, o escritor apreciou o resultado do trabalho do diretor.
O filme, que conta com renomados atores como Julianne Moore, Mark Ruffalo e Gael García Bernal, relata a história de uma inexplicável epidemia de cegueira que se alastra por uma cidade, levando – a ao caos. A maior parte da narrativa fílmica se passa dentro de um claustrofóbico confinamento onde são colocadas as pessoas afetadas pela epidemia. É nesse espaço que podemos perceber do que o homem é capaz em situações extremas, no caos. A desordem causada pela cegueira ocasiona a mais suprema desorganização do ser humano. Os episódios são minimizados se comparados ao livro, mais agressivo na representação da violência e da imundície. No entanto, as cenas são suficientemente pungentes, manifestando no espectador a indignação perante a perversidade presente nas personagens e, ao mesmo tempo, revelando nele a perplexidade ao dar-se conta de que a iniquidade explícita na tela através da manifestação dos extintos mais primitivos do ser humano é a mesma presente em cada um de nós.
Os afetados pela cegueira alegam enxergar apenas um branco infinito, ao contrário da esperada escuridão. Essa característica peculiar da doença parece ser uma indicação de algo maior. Pode indicar, por exemplo, lucidez, clareza, como se a cegueira ali apresentada fosse psicológica, o que aproxima o filme ainda mais de seu espectador, já que parecemos, por vezes, sofrer da mais exorbitante cegueira em relação aos fatos. Nesse sentido, a nitidez representada pelo branco da cegueira serviria para abrir os olhos para uma sociedade imersa em um mar de egoísmo e individualidade.
No Cinema, a imagem é o instrumento principal de expressão e comunicação com o espectador, carregando uma mensagem que é transmitida a ele. O filme, que contém poucos diálogos, é abundante em imagens. Assim, a trilha sonora, constituída apenas por músicas instrumentais, encaixa-se perfeitamente. Além disso, o filme faz um jogo com a iluminação, alternado o claro extremo e o tom acinzentado, transmitindo, através das cores ou ausência delas, os diferentes estados de espírito das personagens.
As cenas de Ensaio sobre a Cegueira nos permitem mudar nossa visão do mundo, percebê-lo como ele verdadeiramente é, fazendo com que o enxerguemos em sua forma mais elevada e inigualável. No entanto, o filme de Meirelles é mais do que uma mostra do que somos capazes após um episódio de sofrimento extremo. O filme é uma chance para que a sociedade enxergue o que está fazendo consigo mesma.