Texto por Kamyla Jardim
Entre as notas musicais, a fé e a vontade de ajudar a sociedade, o Grupo de Rap Profecia Urbana foi formado na região metropolitana em 2004, desmitificando, acima de tudo, que a cultura Hip Hop faz apologia às drogas e consequentemente à violência.
Com conceitos, opiniões bem formadas e fortes críticas a realidade social, Jeferson Jardim, conhecido como J.C., fundou o grupo com o objetivo de alertar a população sobre os problemas políticos e sociais. “Primeiramente o que queremos é criar um sentimento de que não podemos simplesmente aceitar determinadas situações como se fossem normais. Não é normal a gravidez na adolescência, crianças usando drogas e trabalhando no crime para dar sustento para suas famílias. Desejamos acima de tudo passar informação dos direitos que temos como cidadãos, item que muitas vezes não se tem conhecimento dentro das comunidades carentes. Queremos denunciar o descaso das autoridades com os problemas da periferia e através da música mostrar um caminho, uma saída para enfrentar tais situações e nunca perder a esperança”, revela J.C.
O grupo apresenta uma formação diferente da fundada em 2004. Atualmente, é composto por Jeferson Jardim (J.C.), Andressa Vidor (Dessa Profecia) e Douglas Ramiro Maluf (Mano Douglas). Além dos integrantes, o grupo conta com uma equipe de cinco pessoas responsáveis pela divulgação, produção, fotografia, vídeo e sonorização do Profecia Urbana.
Durante dois anos, Jeferson teve seu trabalho artístico interrompido devido a problemas familiares. Porém, no ano de 2010, juntamente com a sua esposa e integrante do grupo, Andressa, o fundador do Profecia Urbana retomou o projeto musical ao inscrever-se no festival de novos talentos do Rap, o maior festival do gênero no estado. O grupo sagrou-se campeão do festival e desde então continua com suas atividades artísticas e sócio-culturais dentro das comunidades de Cachoeirinha e Gravataí.
A escolha do nome artístico de um grupo ou banda musical sempre traz incertezas quanto a sua representatividade, fortalecimento e popularidade na região. Entretanto, no caso do Profecia Urbana qualquer dúvida que pudesse surgir foi sanada por uma “inspiração divina”, conforme conta o próprio líder do grupo: “Eu sempre acreditei na salvação através da crença em Jesus Cristo e sabia que o nome do grupo era algo extremamente importante para que minhas ideias tivessem impacto na sociedade. Então pedi que Deus que me ajudasse a encontrar um nome que representasse bem aquilo que acreditamos que irá acontecer, caso não tomemos uma atitude como cidadãos, perante os problemas que vem crescendo nas nossas comunidades carentes e em todo o mundo. Após isso, o nome me foi ‘revelado’ através de um sonho”.
Desde o nome e forma como este foi escolhido, até as letras e intenções musicais, o Profecia Urbana carrega e transmite a sua fé e crença religiosa. O grupo não frequenta nenhuma igreja, acreditam em Deus, na salvação através de Jesus e no que está escrito na Bíblia. Inclusive uma das músicas do atual CD, “Tudo ou Nada” apresenta uma crítica às igrejas que utilizam o dízimo para gastos pessoais de seus gerenciadores. Com a frase: “Falsos profetas se aproveitam da fé sem esperança, vários na tempestade e eles só na bonança…”, o grupo tenta alertar a sociedade para várias instituições religiosas que se aproveitam da boa fé e do desespero espiritual de seus fiéis para enriqueceram de forma ilícita. “Muitas vezes, estes falsos profetas quando estão longe de seus belos templos e púlpitos, não executam aquilo que pregam. Manipulam versículos da bíblia de forma que o dízimo se torna obrigatório para que Deus ajude aos fiéis, tornando essas pessoas dependentes de suas orações e de suas igrejas, sendo que Jesus nos ensinou justamente o contrário, que Deus está em nosso coração, foi onde ele escolheu para residir e não em templos lindos e ostentadores”, destaca Jeferson.
As músicas do Profecia Urbana são compostas pelos três vocalistas, algumas vezes de forma individual, onde cada um escreve a parte que irá cantar, ou em conjunto, com um interferindo e ajudando na composição do outro. A inspiração do grupo para compor vem do sofrimento, tristezas e dificuldades vividas por cada um e da experiência dentro das comunidades que residem ou já residiram. “Cantamos sobre o que vemos no cotidiano: a falta de estrutura das famílias da periferia, o envolvimento com drogas e álcool, a criminalidade que já levou vários de nossos amigos e conhecidos para a cadeia e até mesmo para a morte e também o descaso total por parte das autoridades competentes, que teriam que resolver esses problemas, mas, ao invés disso, tiram proveito e usam de corrupção para enriquecerem de forma ilícita. Esta é a principal função da música Rap: a Denúncia e a informação”, afirma o fundador do grupo.
Iniciar um projeto musical nunca é fácil, as dificuldades para conseguir um pouco de reconhecimento do trabalho são inúmeras. Entretanto, para um grupo de Rap, as dificuldades se multiplicam por conta do preconceito e pouco conhecimento sobre a cultura Hip Hop. Jeferson revela que no início eram vistos como marginais ou jovens vagabundos que só queriam reclamar sem fundamento, afinal o Rap carregava um mito de ser música de drogados, quando na verdade alertavam para os riscos e consequências do uso das drogas. “Hoje vemos que não foram em vão todos os alertas feitos pela música Rap. Nos anos 90, já falávamos do crack, por exemplo, mas a sociedade não deu valor, hoje o crack se tornou uma epidemia mundial. Agora a sociedade conta com o movimento Hip Hop para tentar resgatar esses jovens, como sempre o poder público prefere investir na sociedade quando já não tem mais jeito, ao invés de investir na prevenção como havíamos falado desde os anos 90”, ressalta.
Hoje, o Profecia Urbana tem uma ótima relação com os cidadãos de Gravataí e Cachoeirinha. Diversos projetos sociais são desenvolvidos pelo grupo, entre eles as oficinas populares realizadas durante cinco anos na Prefeitura Municipal de Cachoeirinha e o projeto “Arte de Rua”, realizado nos bairros Vila da Paz e Jardim Conquista, com a realização de diversas apresentações dos alunos na escola Maria Fausta. O projeto atual é realizado em uma escola municipal de Gravataí e em um bairro chamado “Invasão”, na Morada do Vale II, onde o crime predomina e existe um alto índice de drogadição. “Estamos também iniciando uma parceria com o coletivo Ação Mulher de Porto Alegre, onde serão oferecidas diversas atividades em bairros carentes de Cachoeirinha, Gravataí, Porto Alegre e Alvorada”, revela Jeferson.
Sobre a carreira musical, o grupo agora está trabalhando na divulgação do novo CD “Poeta Esquecido” e fazendo os shows de lançamento deste trabalho. O Profecia Urbana está gravando também um vídeo clip de uma das músicas do CD e está fechando uma turnê por todo o Rio Grande do Sul e também algumas cidades do Paraná, São Paulo e Santa Catarina. O grupo planeja gravar ainda neste ano cerca de três ou quatro vídeo clips, e também já está preparando um CD para o fim do ano.
Além de todos os projetos sociais e lançamento do CD próprio, o grupo apresenta outros trabalhos paralelos. Os integrantes montaram uma produtora e estúdio chamado “Gesto Brusco Produções”, onde gravam seus CDs e também ajudam vários artistas da região a gravarem seus trabalhos e ainda encontram tempo para focar na organização da Associação de Hip Hop de Gravataí e também na aprovação da lei da semana municipal de hip hop nos municípios de Cachoeirinha e Gravataí.
“Após vários anos de trabalhos sociais conquistamos diversas vitórias, muitos jovens abandonaram o mundo das drogas e do crime após se envolverem com os projetos sociais e oficinas realizados pelo grupo ao longo desses anos. O Profecia Urbana, por exemplo, é fruto do trabalho de resgate desenvolvido pela cultura hip hop, só queremos perpetuar essas histórias”, finaliza o rapper J.C.