Texto por Kamyla Jardim
Como grande parte dos dependentes químicos, Rodrigo Pacheco iniciou seu envolvimento com as drogas muito cedo. Na busca de uma fuga e alívio dos problemas familiares, seguiu por um caminho aparentemente mais fácil e prazeroso, porém desleal.
Aos 11 anos, o jovem perdeu a mãe e, junto com ela, o pouco da estrutura familiar que lhe restava. Passou, assim, a conviver mais com o pai e o irmão. “Era comum ver meu pai chegando em casa alcoolizado após o serviço, eu e meu irmão passamos a adolescência convivendo com aquela rotina, vivendo os sintomas da co-dependência”, descreve.
Com pouca maturidade e recebendo péssimos exemplos em casa, a única forma, encontrada por Rodrigo, de buscar alívio para a insegurança e o medo injustificado da vida foi repetir exatamente o que aprendeu com o pai: “A bebida sutil e traiçoeira havia me mostrado outra perspectiva da vida”, afirma.
Com apenas 12 anos, Rodrigo iniciou o processo do qual passaria a vida inteira tentando se livrar, a dependência química. “Junto com a bebida veio o cigarro, companheiro de todas as horas, principalmente daquelas pessoas que não sabem onde colocar as mãos por estar em um grupinho numa festa ou andando pelas ruas. Além dele, tinha os remédios para emagrecer (anfetaminas), que hoje são proibidos, a maconha, o molho conhecido por cheirinho de loló… enfim, eu consumia um coquetel de aditivos químicos que me faziam ter a falsa impressão de que tudo estava bem”, revela o jovem.
Quando percebia que estava tendo problemas, além do esperado, com determinada droga, Rodrigo conta que tentava substituí-la por outra, que sem demora assumia o papel de “droga da preferência”. Depois de algumas tentativas sem sucesso contra a dependência, o jovem teve a ideia de mudar para outra cidade, acreditando que indo para um lugar diferente, sem conhecidos, conseguiria diminuir o uso ou parar de vez. “Em pouco tempo, eu já estava inserido nos grupinhos da escola, do bairro e posteriormente da cidade, é muito fácil para um jovem que sai da cidade grande para uma cidade do interior fazer novas amizades, pois é considerado o descolado da turma o ‘cara de atitude’, e logo em seguida eu já assumi novamente o papel de dependente seja lá qual fosse a droga”, descreve Rodrigo.
Aos 23 anos, o jovem teve sua primeira internação em uma CT (Comunidade Terapêutica), na época foi internado na RECREO em Montenegro, através de um convênio que Cachoeirinha mantinha com a Comunidade Terapêutica. Rodrigo permaneceu por um ano e três meses, os quais lhe renderam cinco anos em abstinência de qualquer droga. “Estes anos ‘limpo’ foram os melhores já vividos até então, mas como essa é a doença do auto-engano, quando estava bem, em todos os aspectos da minha vida, surgiu aquele pensamento: ‘uma dose não vai me fazer mal’ e então o processo de autodestruição se iniciou novamente”, revela.
Três anos recaídos e todos os fantasmas do passado voltaram a assombrar Rodrigo. Porém os efeitos foram avassaladores, a obsessão e a compulsão pela droga recomeçaram com um potencial ainda maior. Nesta época, Rodrigo trabalhava em uma multinacional que ofereceu todo o suporte que necessitava para uma segunda tentativa de alcançar a sobriedade. “Estive em uma clínica psiquiátrica por três dias, dopado de medicação para fazer a desintoxicação que não valeu de nada, pois ao final desses dias voltei a minha rotina normal diária e continuei usando drogas”, afirma.
Após mais um ano de dependência química, Rodrigo decidiu voltar para a RECREO num ato desesperado de alcançar a abstinência, motivado pelo medo de perder o emprego e cair na sarjeta. “Na ocasião, permaneci dois meses, até que decidi voltar a Cachoeirinha e tentar uma vaga na CTP Reviver. Em 18 de abril de 2012 ingressei no programa, no qual permaneci durante dez meses”, revela Rodrigo.
A Comunidade Terapêutica Pública (CTP) Reviver é uma iniciativa da Prefeitura Municipal de Cachoeirinha e do Prefeito Vicente Pires. Inaugurada em abril de 2011, a comunidade é referência nacional no resgate da dependência química. Na CTP Reviver, o interno tem além da cultura tradicional do tratamento terapêutico – em que não existe intervenção medicamentosa – a possibilidade de fazer qualificação profissional, retomar os estudos e voltar mais rápido e preparado ao convívio da sociedade. A comunidade tem telecentro, sala de ensino multisseriado para complemento dos estudos e preparação para o ENEM, oficinas de padaria e confeitaria e produção de fraldas geriátricas e pediátricas, plantação de hortifrutigranjeiros e criação de animais. As atividades estão interligadas à sociedade. A produção de hortaliças irá para as escolas municipais e a produção de fraldas para entidades assistenciais, como, por exemplo, asilos.
Rodrigo conta que a rotina na Reviver era tranquila, iniciando com o despertar as 6h30min. As 7h é o momento espiritualidade para agradecer pelo dia que está nascendo. 7h30min é servido o café da manhã e as 8h inicia a laborterapia, na qual cada integrante assume suas responsabilidades dentro da comunidade, seja cultivar a horta, limpar a casa ou cuidar dos animais na cocheira. Rodrigo ressalta que cada membro desempenha uma função para o bom andamento da fazenda. As 10h30min começa o cronograma de reuniões que contempla desde reuniões de Sentimento e Auto-Ajuda até reuniões de estudo dos Doze Passos de AA.
Vários formatos de reuniões preenchem o dia que passa a se tornar habitual, fato que, segundo Rodrigo, incomoda a todos os dependentes químicos: viver dentro de uma rotina. Rodrigo ainda conta que eram utilizadas algumas frases durante as reuniões, como, por exemplo, “Aqui estão os fortes, os fracos desistiram e os covardes nem tentaram”. Essa frase era dita em voz alta para motivar os internos durante o tratamento e permitir que eles aceitem o programa e suas regras.
O almoço é servido ao meio dia, com uma pausa até as 14h. Após este horário, os afazeres são retomados, às vezes diferem entre reuniões à tarde, laborterapia ou educação física. As 16h, os internos tem uma pausa para o café da tarde e, em seguida, retornam para as atividades que vão até as 17h45min.
Do término da laborterapia até as 19h o tempo é livre para banho e descanso. A última reunião do dia ocorre às 19h, com duração média de uma hora e meia. A janta e o fim das atividades ocorrem logo em seguida. As 22h é o momento de pré-silêncio, seguido do silêncio total as 22h30min.
Após o término de sua internação na CTP Reviver, Rodrigo afirma que passou por alguns momentos difíceis durante a adaptação e retorno a sociedade: “Levei um tempo para retornar ao trabalho e caí em depressão por estar acostumado ao convívio na fazenda. A Dra. Rosa Liane juntamente com os demais terapêutas e as reuniões semanais foram peças fundamentais neste processo para evitar uma recaída”. O jovem ressalta que nunca duvidou do profissionalismo e dedicação dos terapêutas e profissionais responsáveis, envolvidos pelo programa. “Celso Silva Tomazeski Coimbra, Paulo Finger e a assistente social Tania que estão a frente da comunidade junto com o prefeito Vicente Pires, além da psiquiatra Dra. Rosa e do clínico Dr. Zig, são todos pessoas abençoadas que foram colocadas na nossa vida para nos guiar no caminho da recuperação”, afirma agradecido.
Rodrigo retornou para suas funções diárias na multinacional que havia lhe dado total apoio e suporte para que buscasse tratamento. Sobre uma possível cura, Rodrigo logo responde que a dependência química não tem cura. Segundo ele um ano limpo não significa que está curado e sim que deve redobrar a atenção para não cair no comodismo de achar que está tudo bem. “O tratamento é algo que você tem que viver, sentir, está no dia-a-dia nas mudanças e estou apenas no começo. Somente a frequência assídua em reuniões e o contato com as pessoas deste meio é que vão me fortalecer para continuar de pé. A busca pelo aperfeiçoamento como ser humano ou como um ser espiritual em evolução deve ser constante”, afirma.
Para as pessoas que estão nas situações semelhantes as que Rodrigo vivenciou antes do tratamento, o jovem indica a busca por ajuda, sem medo ou vergonha da dependência. “Existe uma vida pós drogadição, converse com alguém que lhe inspire confiança, um familiar, um amigo ou um colega para falar sobre o problema que você está vivendo. Procure uma reunião de NA (Narcóticos Anônimos), AA (Alcoólicos Anônimos) ou alguma Pastoral da Sobriedade que será muito bem recebido. E lembre-se: ‘Minha gratidão fala quando me importo e compartilho com os outros o caminho da sobriedade’.”, finaliza Rodrigo.