Texto e fotos Kamyla Jardim
Um prédio, sete andares, 18 salas comerciais. Este é o ambiente de trabalho de dois senhores. Na verdade, a recepção é o verdadeiro escritório deles, mas ambos sentem-se responsáveis por todo o edifício. Afinal, são mais de dez anos de trabalho no mesmo local. Poucos conhecem como eles cada detalhe do Centro Médico.
O dia se divide entre os “bom dia” do seu Eglon, e os “boa tarde” do seu Vilmei. Parece muito simples, mas ser bem recebido e tratado com carinho muda o dia de qualquer pessoa. E disso, esses dois senhores entendem bem.
Para quem não sabe, a revista Mais Matéria tem sua sede na Avenida Flores da Cunha, 1050, em Cachoeirinha. No prédio que tem o prazer de ter Eglon e Vilmei como porteiros, e nada melhor como o dia deles, 9 de junho, para homenagearmos estes dois senhores que, com certeza, ganham o título de melhores na sua profissão.
Mil vidas em uma só
Eglon José Duarte de Freitas, de 74 anos, nasceu em Lavras do Sul, próximo a Bagé. Mas já morou, em Rio Grande, Viamão, Canela e Jurerê (SC), até estabelecer-se em Cachoeirinha.
As vivências de seu Eglon não se baseiam somente às diferentes cidades que morou, mas também as profissões que exerceu. O trabalho começou cedo, com apenas oito anos vendia pastel para ajudar em casa. Na maioridade, iniciou o verdadeiro sonho, entrar para o quartel e em seguida realizar o curso de Cabo. Mas a vida nem sempre segue como planejada, e com 22 anos, o jovem Eglon engravidou a namorada. Ou como ele revela nas palavras da época: “Fiz mal para uma menina”.
Eglon arcou com as responsabilidades, deixou a carreira no exército para casar-se. Mas ele não se arrepende, pois nasceu seu primogênito José Cesar, que orgulha o pai por ter seguido carreira de Sargento.
Anos mais tarde, Eglon casou-se novamente, desta vez com Marisa, com quem compartilha a vida até hoje. Da união, nasceram três filhos: Eglon, Patrícia e Márcia.
Até chegar a portaria do Centro Médico, Eglon foi taxista, garçom, barman – do qual conta ter ganhado prêmios por criações de drinks -, maítre de diversos hotéis e empreendedor. A história como empreendedor foi em Cachoeirinha. Seu Eglon montou o restaurante Memórias na Rua Tapajós, o qual gerenciou por 15 anos. “Foi um tempo de muito aprendizado, mas também muito trabalhoso. A rua tinha problemas de alagamento e o meu restaurante enchia d’água diversas vezes. Tive muitos prejuízos”, relembra.
Em função dos problemas, Eglon vendeu o empreendimento e preferiu vir trabalhar na portaria do prédio 1050 da segunda avenida mais movimentada do Estado. E ele se declara feliz até hoje: “Eu adoro porque estou sempre em comunicação com o pessoal”.
Desde que começou como porteiro, já se passaram 15 anos, e com a experiência Eglon afirma que para exercer sua profissão é preciso se comunicar bem e estar preparado para ajudar as pessoas: “Eu carrego comigo um mapa para auxiliar quem pede informação, isso não é obrigatório, mas muitas pessoas erram endereços e fico feliz em poder ajudar”, conta.
O bom humor e simpatia são as marcas registradas de Eglon e ele mesmo revela que a cara ‘amarrada’ tem que ficar em casa. Mas as qualidades não param por aí, da maneira que pode seu Eglon exerce sua solidariedade. Nos dias de muito calor, ele fica na frente do prédio com uma garrafa de água gelada, servindo quem passa pela rua com sede. Além disso, seu Eglon é apaixonado por animais e sempre que pode ajuda os desamparados.
Como desejo para a cidade, ele já informou diversas vezes que gostaria de uma passarela para que as pessoas e os animais pudessem atravessar sem perigo pela avenida e sem atrapalhar o trânsito.
Em casa, tem um gato que afirma ser um dos mais lindos, mas o xodó mesmo é o cachorro. Seu Eglon o pegou ainda filhote, quando a mãe havia sido morta por um Pitbull. Emocionado, Eglon conta que o companheiro canino o espera todos os dias no portão da casa.
Trabalho, animais e, é claro, a família, são os três amores de Eglon. No lazer gosta de ajudar os filhos no que precisarem, e também de sair com a esposa e os netos para passear no shopping. Nas férias, o descanso é ao lado da esposa em Torres. Mas repouso é algo que seu Eglon não tem muito, por opção própria. Nos finais de semana, trabalha de garçom em festas e quando indagado sobre parar, ele responde determinado: “Não penso em parar, gosto de me manter ativo sempre, isso que me deixa vivo”. Vivo e com muitas histórias para contar.
Uma longa caminhada até o trabalho
Parece que a semelhança dos dois porteiros do Centro Médico e o que os torna tão de bem com a vida, é o fato de se manterem ativos mesmo na terceira idade. Seu Vilmei Kanitz tem 72 anos, nasceu em Gravataí, mas mora em Cachoeirinha. Quem percorre o trecho da Avenida Flores da Cunha que vai da parada 55 a 49, durante a primeira hora da tarde, já deve tê-lo encontrado. Um senhor de aproximadamente 1,80m de altura, cabelos brancos, fardando um uniforme azul do mesmo tom do boné e mãos segurando as tiras da mochila preta que pousa em suas costas. Seu Vilmei caminha este percurso todos os dias, faça chuva ou faça sol. É sua atividade física diária. Quero dizer, uma das suas atividades físicas, ele também realiza diversos exercícios em casa, recomendados pela fisioterapeuta.
Na mochila, Vilmei carrega os alimentos certos para cuidar de sua saúde. Ele afirma que sempre foi preocupado em se manter saudável, mas os cuidados aumentaram após alguns problemas de saúde.
Antes de trabalhar na portaria do prédio 1050, seu Vilmei só trabalhou em um lugar: a fábrica de doces da Ritter Alimentos. O desejo era ser motorista, mas teve que mostrar serviço e qualidades no chão da fábrica por 10 anos, até ter a primeira oportunidade nos automóveis. Quando conquistou o cargo desejado, permaneceu por mais 27 anos na empresa.
Atualmente, seu Vilmei está há 10 anos recebendo os funcionários e visitantes do Centro Médico, ele destaca que nestes anos foi preciso aguçar a sua atenção. “Qualquer descuido pode causar um grande problema, por isso é preciso muita atenção, mas eu gosto, me sinto muito bem aqui”, destaca.
Caseiro, nas horas de lazer gosta de ficar no conforto do lar e na prazerosa companhia da esposa Celi, com quem é casado há 42 anos. Giovana é a única filha do casal e também trabalha do Centro Médico. Quando chega o verão, seu Vilmei conta os dias para as férias, faz as malas e vai com a esposa para a praia de Arroio do Sal. “Nós somos apaixonados por esta praia, vamos há anos, é a minha época favorita”, afirma.
Com um pouco de timidez já característica de sua personalidade, seu Vilmei se diz agradecido pelo trabalho que tem e feliz por poder compartilhar a sua história com a gente. Muitas vezes a rotina corrida não nos deixa perceber os detalhes do dia. Seja um desejo de bom dia, seja alguém segurando o elevador na entrada do trabalho, seja um jornal no local certo a sua espera… são pequenas coisas que fazem a diferença no nosso cotidiano. Fazem-nos começar o dia melhor.
Em nome da Revista Mais Matéria e dos que presenciam os serviços de seu Eglon e Vilmei, gostaríamos de agradecer o atendimento e o carisma que nos transmitem todos os dias. Esperamos retribuí-los da mesma forma. Parabéns para vocês e todos outros porteiros que exercem a função com igual orgulho e amor.