| Rosane Castro
Escritora e Narradora de Histórias
Durante alguns anos mantive as portas da minha casa abertas para receber pessoas em busca de livros. Tudo começou quando percebi que tinha mais livros do que tempo para lê-los. Com apenas quinhentos exemplares, entre literatura infantojuvenil, gibis, romances, livros técnicos e revistas decidi que precisava fazer algo para colaborar com a qualidade de vida dos moradores do condomínio onde moro.
Um dia, recebi a visita de um *poeta querido, conhecido de muitos. Ele achou minha ideia de empréstimo de livros interessante. Ficou muito surpreso com o local onde eles estavam: na cozinha. A casa pequena e com pouca estrutura me obrigaram a ocupar o espaço onde ficava a cozinha, transferindo-a para área de serviços.
Na ocasião, ele sugeriu minha história para alguns jornais e programas de TV. As matérias tiveram uma abrangência a nível estadual e as pessoas que assistiam ficavam sensibilizadas. Muitas delas entraram em contato comigo e me enviam livros. Recebi doações de muitos municípios do Rio Grande do Sul.
A biblioteca, que antes contava com um acervo de quinhentos livros, aumentou para três mil exemplares do dia para a noite. Os livros saíam da cozinha e se espraiavam pela sala e quartos. Eram tantos que precisei fazer uma triagem. Certa vez doei para uma universidade textos específicos sobre medicina.
Aos poucos, os vizinhos, principalmente as crianças, começavam a descobrir a biblioteca. Dei-lhe o nome de “O Pintor de Lembranças”, título da obra do autor Jose Antonio Del Canizo, ilustrador por Jesús Gabán, traduzido pelo escritor Charles Kiefer e publicado pela Editora Projeto.
De todas as pessoas que retiravam livros, uma se dizia não leitor. O que nos aproximou foi o chimarrão em alguns fins de tarde. Ele, com mais de cinquenta anos, morava sozinho. Alegre e brincalhão, ninguém poderia imaginar que às vezes ele ficava deprimido. E foi essa sensação de solidão que o aproximou dos romances policiais. Num desses encontros para matear, convidei-o para entrar na casa e explorar a estante com as obras diversas. Não bastasse folhar alguns livros, colocou-se à disposição para organizá-los. E o fez.
Nunca irei esquecer aquele homem alto e bem-humorado que se dizia não leitor, mas que, em um ano, leu trinta e sete livros. E que no Natal ganhou de presente de sua filha cinco romances policiais (seus preferidos). Sidney Sheldon e Agatha Christie tinham lugar privilegiado na sua biblioteca de emoções.
Ele e o poeta foram muito importantes na minha trajetória como mediadora de leitura, ambos estão lendo em outras paragens.
*Homenagem ao POETA Milton Souza que, com seu carisma, generosidade e talento, povoou de sonhos literários a vida de muitas pessoas.