Texto | Davi Pacheco | Fotos | Divulgação
“A lua que se ergue na Ilha de Goreia é a mesma lua que se ergue em todo o mundo, mas a lua de Goreia em uma cor profunda que não existe em outras partes do mundo, é a lua dos escravos, é a lua da dor.” Gilberto Gil canta La Lune de Gorée, em francês, língua oficial senegalesa, parte da história mais triste da humanidade, a escravidão. História essa que é simbolizada pela famosa “Casa dos Escravos” e sua “porta do não retorno”, marca da despedida de milhões de africanos rumo a um caminho sem volta de tortura e submissão ao redor do mundo.
Considerada Patrimônio Mundial pela Unesco em 1978, a Ilha de Gorée começou a ser explorado por europeus em 1444, quando portugueses chegaram na região. O local representa o epicentro do tráfico negreiro mundial e ainda hoje provoca um impacto muito grande em todos que o visitam. É justamente de lá que o grupo cachoeirinhense da Cia Agape de Teatro, ligado à Assembleia de Deus, iniciou os seus dez dias de descobertas e voluntariado na África, mais precisamente no Senegal, no começo deste ano.
O projeto denominado As Cores do Deserto surgiu do convite da missionária Denise Sabino e seu marido, Ricardo, que moram no Senegal e desenvolvem trabalhos sociais com foco na educação. A proposta principal é promover um intercâmbio cultural que leve oficinas culturais, apresentações teatrais e muito amor às crianças e mulheres senegalesas. Debora Feijó, uma das 17 integrantes do projeto que foi ao Senegal, conta que a experiência foi muito gratificante e transformadora. “Foram dias de intensas vivências e de muita troca de amor, sobretudo. Tenho certeza que ajudei a mudar alguma vida lá e mudei a minha também”, relata.
“A emoção do Ballet”
No aniversário de Debora, em novembro, o pedido foi de que os presentes fossem kits de ballet para crianças ou dinheiro. Os amigos e familiares se empenharam e a arrecadação foi grande. Já em Senegal, Debora com demais colegas vestiu crianças de bailarinas e promoveu uma linda aula. “A emoção do Ballet e a realização daquelas meninas são memórias inesquecíveis, em especial para mim por estar sonhando com isso há meses”, conta.
“Um branco lavando os pés de um negro”
A região ainda vive as consequências dos séculos de exploração e gestos simples, por mais que não apaguem e nem pretendam apagar a mancha e a dor da escravidão do povo negro, são importantes para dar um passo à frente rumo a um mundo mais igualitário e humano. Uma das ações do grupo de Cachoeirinha foi justamente o simbólico ato de lavar pés, e doar centenas de calçados com o apoio da Samaritan´s Feet Brasil. “Lavamos os pés de 14 adolescentes que viviam em um abrigo, pois tiveram de sair de suas casas porque eram violentadas e, na sequência, doamos calçados novos. Por mais irrisório que seja, um branco lavando os pés de um negro tem um significado indescritível. Foi o momento mais emocionante da viagem”, comenta Debora.
Cultura senegalês
A cultura do povo senegalês é incrivelmente rica. Além do francês, diversos dialetos são falados no país e a alimentação é um rito a parte: as refeições, comidas a mão, são servidas em uma bandeja para oito pessoas e um nativo é designado líder da mesa, coordenando os espaços de cada pessoa na bandeja. E embora as cidades sejam cinzas, as pessoas são coloridas e as mulheres muito vaidosas. Além das múltiplas cores, a música está presente em todos os espaços, e é um verdadeiro espetáculo à parte.
Até mesmo a capital, Dakar, sofre com a falta de estrutura básica para a população, mas os senegaleses descobriram na simplicidade motivos suficientes para serem felizes. Prova disso, comenta Debora, é o fascínio das adolescentes ao descobrirem simplesmente o batom que carregava. De fato, nem os dez dias vividos pelos integrantes da Cia Agape de Teatro e muito menos Senegal cabem em uma matéria. São experiências e histórias que extrapolam qualquer relato: um universo em que cada olhar constrói uma nova descoberta.